Leonardo CavalcantiCorreio Braziliense
O tamanho das manifestações nas cidades brasileiras mais uma vez surpreendeu o governo. Agora até que o pessoal mais próximo da presidente Dilma Rousseff estava avisado, chegando mesmo a se reunir para avaliar os protestos. Mas os números e as imagens dos insatisfeitos da manhã e do início da tarde foram maiores do que o Planalto esperava, acendendo o sinal vermelho na cúpula do governo.
A ONDA VAI AUMENTAR
Na prática, as manifestações são as primeiras de outras que podem vir a ocorrer caso o governo Dilma Rousseff não consiga reagir. A expectativa de acadêmicos e políticos é que a onda se amplie mais, a depender das respostas oficiais, que até agora não vieram de forma satisfatória para parte dos eleitores do país, a grande turma que está nas ruas.
Nas manifestações de 2013, cinco fatores – que podem ser sobrepostos – levaram as pessoas às ruas: denúncias de corrupção, altos impostos, perda do poder de consumo, carência de serviço público e motivos puramente eleitorais. Para o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), Antônio Augusto de Queiroz, faltava o trabalho, afinal os números mostravam a segurança do pleno emprego.
“Os manifestantes daquela época tinham motivos eleitorais, reclamavam dos serviços públicos, dos altos impostos, eram contra a corrupção e temiam a perda do poder de consumo”, diz Queiroz. “Mas tinham a certeza do emprego. Com a crise econômica, as pessoas se sentem inseguras no trabalho, com ameaças cortes de direitos e desemprego.”
Agora, resta esperar a reação do governo para a primeira onda. As próximas começam a se formar, com a organização de novas manifestações em abril.
SOMOS TODOS RESPONSÁVEIS PELO BRASIL DE HOJE
Luiz TitoO Tempo
As manifestações que ocorreram em todo país levaram para as ruas não apenas críticas à figura da presidente Dilma Roussef, mas muito também ao modelo de governar, que no Brasil tem forte viés há muitos anos. Coincidentemente, também a 15 de março transcorreram 30 anos da inesperada posse de José Sarney na Presidência, ocupando o lugar de Tancredo Neves, eleito sob o compromisso de devolver ao país, definitivamente, o respeito às liberdades, a normalidade democrática e o império da lei.
Tancredo não assumiu o poder; deixou escolhido os nomes do ministério que negociara com as forças políticas que o ajudaram a construir o projeto que liderara e a promessa de convocação de uma constituinte, mantida por Sarney e conduzida pela autoridade de Ulisses Guimarães. Foi um momento em que o Brasil teve a oportunidade de ser reescrito.
Quão amplo foi o espectro da aliança construída pelo movimento liderado por Tancredo, que surgiram nos seus espaços nomes e bandeiras que mais tarde comprometeriam o encaminhamento da grande transformação para a qual a nação se voltara. Do próprio Sarney, com o acervo que colecionou durante sua vida pública de capacho dos militares de 64, muito não se poderia esperar senão sua capacidade de liderar o apoio de forças do Colégio Eleitoral indispensáveis à eleição de Tancredo. Integrou a chapa eleita como vice e assumiu a Presidência com a morte Tancredo para um mandato de seis anos, depois negociado para cinco.
DESGOVERNO SARNEY
O dá lá, toma cá, as nomeações para cargos de confiança, a entrega sem critérios das concessões de canais de rádio e TV, os empréstimos nunca pagos dados a políticos e correligionários feitos pelos bancos públicos são peças de um processo de corrupção que no Brasil serviu à ampliação de mandatos, à compra de decisões do Judiciário, à aprovação de leis e manutenção de decretos, às sucessivas mudanças da Constituição que permitiram a malsinada reeleição dos mandatos dos prefeitos, de governadores e do presidente da República. A corrupção está na nossa história há séculos.
Nossas instituições estão falidas e não foi Dilma Roussef que operou, sozinha, tal processo de decadência. É lastimável o perfil do nosso Poder Legislativo, que tem nos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados o que há de mais repugnante em termos de postura e conduta. Eleitos pelos seus pares nas duas casas, é muito fácil imaginarmos quem lideram e o que podemos esperar do poder que exercem.
ATÉ O JUDICIÁRIO
O Poder Judiciário lamentavelmente também não pode ser poupado de críticas; estão nos jornais todos os dias denúncias de venda de sentenças e decisões, de favorecimento de grupos econômicos pela ação ou inação de magistrados e membros do Ministério Público, de esquecimento nas prateleiras dos fóruns de processos para que atinjam a impunidade.
Com ou sem Dilma, o Brasil não irá a lugar nenhum se não nos dermos conta de que não temos uma nação. Temos um amontoado de poderes, todos com a obstinada vocação de monetizar sua influência. Se você tem dúvidas, avalie os compromissos (ou a falta deles) dos políticos que você elegeu nas últimas eleições. E aproveitemos também para fazer uma análise de nossas responsabilidades como cidadãos. Somos todos responsáveis pelo que estamos assistindo e vivendo. Escolhemos mal, participamos nada, votamos pior ainda e achamos que nossa salvação está em bater panelas na janela.
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